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   Em 18 de junho de 1978, Robson Silveira da Luz, um feirante negro de 27 anos, foi acusado de roubar frutas no seu local de trabalho. Foi levado para o 44° departamento de Polícia, na zona oeste de São Paulo sendo torturado e morto por policiais militares. Semanas depois, um grupo de 4 jovens foi impedido de jogar vôlei no hoje extinto Clube de Regatas tietê. Já se fazia 90 anos da abolição da escravatura.

   Em resposta a esses fatos, um grupo de militantes negros se reuniu em um casarão no início da Rua da Consolação, em São Paulo, para discutir a construção de um movimento que pudesse mobilizar o Brasil contra a discriminação racial. Dali surgiu o Movimento Negro Unificado (MNU).

   Na fria manhã do dia 7 de julho, posteriormente transformado em data comemorativa do Dia Nacional de Luta Contra o Racismo, mais de três mil pessoas se reuniram em frente ao Teatro Municipal de São Paulo. A manifestação não era bem vista pelo governo vigente: era a época da ditadura presidida pelo general Geisel, e a política estatal se esforçava em ignorar a questão racial e em mostrar o país como uma democracia das raças. O MNU era considerado pelo governo como subversivo, o racismo era um tema tabu mas a luta de 1978 mudaria muita coisa nos anos seguintes

   O que hoje conhecemos como Movimento Negro é uma forma de sintetizar todas as reivindicações ao longo da História pelos direitos da população negra, que sofre há séculos com o racismo estrutural e suas consequências.

   Ao ressignificar o conceito de raça, o Movimento Negro politiza-o e, assim, retira a população negra de um lugar historicamente perverso em que fora colocada: o da inferioridade racial. Nilma Gomes explica que, para que um grupo (político, religioso, cultural, artístico) seja considerado Movimento Negro, é necessário que as ações desse grupo tenham como marca inconfundível a postura política de combate ao racismo e que não se negue a outros enfrentamentos possíveis numa sociedade hierarquizada. Isso é excelente porque rompe com uma série de dúvidas a respeito da definição de “movimento negro” e evidencia que segmentos podem ou não podem ser considerados movimento negro. Como exemplo desse movimento surgiu o Black Rio.

   O subúrbio do Rio fervia ao som da música negra em 1977. O gênero que fundia a soul music ao samba ganhava uma projeção inédita e transbordava e importava ideias: os artistas burilavam suas canções, enquanto os adeptos em geral se espelhavam na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos para combater o preconceito racial. As gravadoras assediavam os artistas em busca do seu quintão black, onde transformavam a música negra em uma arma prestes a disparar, os participantes dos bailes black, uniam-se no ideal black power, onde se incluía a vestimenta e a posição de enfrentamento. Em virtude desses acontecimentos os órgãos de repressão do regime militar estavam preocupados com o possível direcionamento politico do movimento Black, temendo que se os simpatizantes se politizassem e ou se militarizassem, isso poderia causar a revolução social no Brasil.

   A repressão policial desde sempre fez parte da realidade do funk soul brothers. Cabelos black power e sacolas de discos eram revirados à procura de drogas, nos lugares onde ocorriam os Bailes, organizados por Ademir Lemos e o DJ Big Boy. A música negra até meados dos anos 1970 ia do suingue de Bebeto ao easy listening de Ed Lincoln, passando por Orlandivo, Franco e, claro, o Samba-Rock de Jorge Ben. A conscientização do subúrbio carioca começou a incomodar os órgãos de repressão.

   Ameaça ou não, a black music prometia e começava ser a trilha do final dos anos 1970. Os bailes se espalhavam pelo Rio de Janeiro a ponto do Jornal do Brasil criar a coluna “Black Rio”. Em São Paulo, a Chic Show começou a organizar no Palmeiras as festas que seriam o embrião do hip hop. A Rede Globo analisava a possibilidade de fazer um programa tendo como apresentadores Tony & Frankye, Tim Maia, Toni Tornado e Gérson King Combo. E a indústria fonográfica procurava se filiar ao segmento, afinal tratava-se também de consumo, que poderia ser multiplicar se o movimento fosse regionalizado nas capitais.

   Várias gravadoras se movimentaram na divulgação da música black brasileira. A WEA conseguiu dar forma à sua banda black depois de contratar a Soul Grand Prix como produtora. Primeiro surgiu o Senzala, com ex-integrantes da Abolição, entre eles Oberdan Magalhães. Depois, nasceu a Banda Black Rio, tudo o que os diretores do selo queriam. Maria Fumaça (1977) incluía arranjos de “Na Baixa do Sapateiro” (Ary Barroso) e “Baião” (Luiz Gonzaga) para salientar a proposta verde-e-amarela. A banda manteve a fórmula ao acompanhar Carlos Dafé em Venha Matar Saudades (1978).

   A Phonogram tinha dois tradutores do soul: Tim Maia e Cassiano, desde 1968, Tim difundia o gênero. Após a viagem mística de sua fase “Racional”, estava de volta ao mercado secular. A sonoridade daqueles renegados álbuns fora extremamente influente na passagem da soul music para o funk. Cassiano privilegiou a suavidade em seus arranjos, conseguindo êxito com “Primavera”. Em 1976, ele estava com Cuban Soul e a pérola “A Lua e Eu” nas mãos. A Polydor cuidava de Gérson Combo e União Black, cujo álbum saiu em 1977.

   A CBS vinha com Robson Jorge, Rosa Maria e Alma Brasileira, formada por músicos da Mocidade Independente de Padre Miguel. A Polydor, por seu turno, entrava no jogo com Hyldon, badalado depois de “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”, de 1974. A Continental correu atrás com Dom Mita. O fim da década ganhou mais tons negros com Miguel de Deus (“Black Soul Brothers”) e Tony Bizarro (“Nesse Inverno”), além de “Pensando Nela”, de Dom Beto.

   Diferentemente da tropicália, os artistas negros tornaram-se subversivos por exibir com orgulho sua cultura e cor. Não pretendiam, necessariamente, se vincular a luta armada ou, apesar da importação de valores, aos Panteras Negras. Gérson King Combo disse que “na época da ditadura era um radical sem consciência”. A musicalidade era o ponto de convergência daquela geração e a influência estrangeira surgiu como uma opção à MPB, que não oferecia canais para ela se expressar. Como escreveu Ana Maria Bahiana no Jornal da Música, os blacks “acreditavam que o samba tinha capitulado aos brancos e era coisa de turista”.

   Seja como for, a ação repressiva da ditadura surtiu efeito neutralizador. “Todos recuaram, a proposta black ficou descaracterizada e a consciência, perdida”, acredita Zé Rodrix. Já em 1978, muita coisa mudou, Tim Maia preferiu mergulhar nas discotecas com “Sossego” (título sugestivo). Jorge Ben deu uma guinada para um som mais dançante e menos atrelado à poesia de subúrbio em A Banda do Zé Pretinho. Dom Beto buscou Lincoln Olivetti para lançar Nossa Imaginação desatrelado do movimento. Gérson, depois de Volume II, passou anos no ostracismo até ser resgatado pela geração hip hop. Seu discurso não resistiu às novas regras do mercado, que, mesmo com o fim do AI-5, redirecionaria os artistas para a disco music, que considerava uma vertente de fácil manipulação e maior potencial de venda. As equipes de som tiveram de buscar no miami bass as sementes do funk carioca. O ímpeto e a atitude original se esvaíram. A cabeça do movimento adormeceu e, a partir do advento da discoteca, a música black dirigiu o foco para os quadris para “dançar bem, dançar mal, dançar sem parar”. Atualmente a importância de artistas contemporâneos no Movimento Negro, tais como IZA, Projota, Afari e muitos outros, é gigantesca. Sua arte inspira toda essa raça que constitui 54% da população brasileira, o país com maior população negra, desconsiderando o continente africano. Ganhar voz no meio artístico e divulgar, por meio da arte, as dificuldades da vida dos negros dentro do país é uma boa forma de levar ao público a verdade sobre o movimento, a repressão, o racismo e outros preconceitos sofridos devido a cor da pele destas pessoas, sendo contada por aqueles que realmente sofreram tudo aquilo. Projota, no “Conversa com Bial”, diz: “Eu passei por um momento não muito bom, mas não cheguei a pirar. Comecei a crescer e a caminhar em lugares que eu não ia antes, com o melhor shopping da cidade. Não pertencia àquele lugar, sentia o preconceito. Eu me sentia mal de ser o único negro andando no shopping, os outros estavam trabalhando em fast-food ou no estacionamento”. A luta de artistas como ele dá voz ao movimento, que pouco a pouco vem mostrando ter grande impacto. Em suas músicas, Afari e IZA por exemplo, contam ocasiões vividas em meio a esse preconceito, o que dá a causa do movimento maior relevância no meio social atual.

 

Fontes: https://super.abril.com.br/cultura/o-movimento-black-rio-desarmado-e-perigoso/ https://www.geledes.org.br/lutas-e-conquistas-do-movimento-social-afrodescendente-e-o-movimento-ile-aiye/

https://negrobelchior.cartacapital.com.br/a-arte-feita-por-negros-na-frente-e-atras-das-cameras/https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2017/10/20/eu-me-sentia-mal-de-ser-o-unico-

 

Por Fran, Pedro e Felipe Vasconcelos

 

 

 

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